Desse modo, tem-se que o legislador já tratou de cuidar dos comandos explícitos previstos no art. 5º, XLII, XLIII e XLIV, da Constituição Federal, e suas normas infraconstitucionais correspondentes de criminalização dos bem jurídicos de extrema importância, como a lei que criminaliza o racismo, o tráfico de drogas, crimes hediondos, torturas, e ações de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático, tem-se que faltou, entretanto, a lei que definisse o crime de terrorismo (BARBOSA, 2016).
Nesse esteio, em 16 de março de 2016, nasce a Lei 13.260, com o objetivo de regulamentar o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista.
Para Barbosa (2016), a Lei Antiterrorismo não passa de uma norma penal anormal, complexa e pluriofensiva. Ainda, aduz que o legislador esqueceu de criar um tipo remetido e uma norma explicativa para “terror social e para “organização terrorista”, o que vai ao encontro com a concepção do Direito Penal do Inimigo no que toca às medidas penais excepcionais.
A indignação do autor ainda persiste, dispondo que a falta de precisão na elaboração da lei antiterrorismo o torna um tipo penal aberto, de tal maneira que o coloca em absoluta ofensa ao princípio da legalidade estrita, o qual se relaciona nitidamente com a terceira velocidade do direito penal.
Em que pese o nobre conhecimento de Barbosa, não se pode concordar a tal ponto em querer igualar a Lei Antiterrorismo com a teoria de Günther Jakobs. Isso porque é sabido que a teoria do Direito Penal do Inimigo não é composta apenas de imprecisão de seus dispositivos legais.
De forma bem didática, Gomes (2016, p. 2) caracteriza a teoria do Direito Penal do Inimigo da seguinte forma:
a) o inimigo não pode ser punido com pena, sim, com medida de segurança;
b) não deve ser punido de acordo com sua culpabilidade, senão consoante sua periculosidade;
c) as medidas contra o inimigo não olham prioritariamente o passado (o que ele fez), sim, o futuro (o que ele representa de perigo futuro);
d) não é um Direito penal retrospectivo, sim, prospectivo;
e) o inimigo não é um sujeito de direito, sim objeto de coação;
f) o cidadão, mesmo depois de delinquir, continua com o status de pessoa; já o inimigo perde esse status (importante só sua periculosidade);
g) o Direito penal do cidadão mantém a vigência da norma; o Direito penal do inimigo combate preponderantemente perigos;
h) o Direito penal do inimigo deve adiantar o âmbito de proteção da norma (antecipação da tutela penal), para alcançar os atos preparatórios;
i) mesmo que a pena seja intensa (e desproporcional), ainda assim, justifica-se a antecipação ocasional), espera-se que ele exteriorize um fato para que incida a reação (que vem confirmar a vigência da norma); em relação ao inimigo (terrorista, por exemplo), deve ser interceptado prontamente, no estágio prévio, em razão de sua periculosidade.
Sem a necessidade de adentrar ao mérito de cada característica supracitada, pode-se desqualificar a tese de que a Lei Antiterrorismo vai ao encontro com a teoria jakobesiana, pois se percebe que o Direito Penal do Inimigo tem como característica fundamental separar o cidadão do “inimigo” do Estado. Ocorre que, sem essa marcante singularidade, não há Direito Penal do Inimigo.
Em uma simples perspectiva, não há que se falar que a Lei 13.260/16 (Lei Antiterrorismo) está voltada à teoria do Direito Penal do Inimigo, pois a referida lei passa longe da ideologia apresentada por Günther Jakobs, criador da teoria do Direito Penal do Inimigo.
Por outro lado, poder-se-ia dizer que a Lei Antiterrorismo seria uma espécie de aplicabilidade do Direito Penal do Inimigo de tal forma que não ofenda os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, ou seja, aplicabilidade da terceira velocidade do direito penal sem radicalismo, o que, de antemão, não seria motivo para a sua dispensa em um Estado Democrático de Direito. Porém, falar em aplicar o Direito Penal do Inimigo de forma não radical, é estar desqualificando o conceito da referida teoria, consequentemente, fazendo-se jus a qualquer outra, menos aquela apresentada por Günther Jakobs.
Por ora, falar que o Direito Penal do Inimigo já vem sendo aplicado no ordenamento jurídico penal brasileiro não passa de uma falácia. Como bem sabido, os princípios constitucionais vigentes no país não permitem que a teoria de Günther Jakobs ganhe espaço no território brasileiro. Logo, equivoca-se a doutrina que afirma haver vestígios dessa teoria no Brasil.
Portanto, a permanência e a constante criação de leis penais cada vez mais rígidas não podem ser classificadas como ofensoras aos preceitos fundamentais existentes no Estado de Direito, haja vista que normas legais se fundamentam na lógica evolutiva da criminalidade, bem como arrazoadas dentro do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, ao fito de alcançar um juízo final justo.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ruchester Marreiros. Lei antiterrorismo e Direito Penal do Inimigo. JusBrasil, abr. 2016. Disponível em:. Acesso em: 28 abr. 2016.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm>. Acesso em: 13 jun. 2016.
BRASIL. Lei 13.260, de 16 de março de 2016. Lei Antiterrorismo. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13260.htm >. Acesso em: 13 jun. 2016.
GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal do inimigo (ou inimigos do Direito Penal). Disponível em:. Acesso em: 18 abr. 2016.