A peça inicial do processo penal, apresentada pelo Ministério Público, deve observar os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, que exige a descrição do fato criminoso, com todas as circunstâncias, a definição da conduta do autor, sua qualificação ou esclarecimentos capazes de identificá-los, bem como, quando necessário, o rol de testemunhas, não se podendo falar, se preenchidos tais requisitos, em inépcia da denúncia.
Na prática, em recente decisão no Habeas Corpus Nº 710326 – MG, o Superior Tribunal de Justiça trancou uma ação penal que apurava o delito de lavagem de dinheiro, em razão do MInistério Público não apresentar a data determinada do suposto delito.
I. A denúncia inépcia foi elaborada da seguinte forma:
“[…]. Consta do incluso inquérito policial que, em dia que não se pode precisar, no ano de 2018, nos municípios de Boa Esperança/MG e Lavras/MG, de forma reiterada, o denunciado ________________, agindo de forma livre, consciente e voluntária, com finalidade a utilização de recursos empregados, ocultando sua origem criminosa, converteu em ativos lícitos, valores provenientes, direta ou indiretamente, de crimes de tráfico de drogas.Do tráfico criminoso – crime antecedente
No ano 2018, _____________ era foragido da Justiça, do Estado de São Paulo, por conta de condenação criminal, por crime grave. Vindo para o Estado de Minas Gerais, o denunciado fixou residência em Lavras/MG, onde passou a utilizar-se de documento de identificação ideologicamente falso em nome de Daniel Nascimento dos Santos. A partir dessa cidade, ______________ adquiria drogas de fornecedores ainda não identificados. O denunciado transportava as drogas para imóvel rural localizado em Boa Esperança/MG, onde inseria insumos químicos para aumentar o seu volume. Após, ___________ comercializava irregularmente as drogas para pequenos traficantes na região. Durante cumprimento de mandando de busca e apreensão, nos imóveis utilizados pelo denunciado, foram apreendidos, aparelhos celulares, veículos automotores, valores em dinheiro, insumos químicos, documentos de bens móveis e imóveis em nome de terceiros, além de uma arma de fogo e munições.
II. Da ocultação de dinheiro advindo do tráfico
Em sua traficância, o denunciado recebia valores em dinheiro de outros traficantes, como também possuía créditos para receber, que eram pagos após a negociação de mais drogas. Com finalidade de dissimular a utilização de recursos empregados, ocultando sua origem criminosa, _____________ converteu em ativos lícitos valores em dinheiro que eram provenientes, direta ou indiretamente, de crimes de tráfico de drogas. Dessa forma, com objetivo de ocultar a origem criminosa e dar destinação econômica aos valores advindos do tráfico de drogas, como também, o nome do real proprietário, o denunciado __________ adquiriu bens, mantendo-os em nome de terceiros, conforme abaixo listados:
[…].
Desse modo, a aquisição dos bens móveis e imóvel por parte do denunciado serviu, na verdade, como forma de utilização dissimulada dos valores espúrios que por ele eram obtidos com a prática de crimes de tráfico de drogas.
Ante o exposto, denuncio ______________ como incurso nas sanções do art.1º, § 1º, I, e § 4º, todos da Lei nº 9.613/98, e requeiro seja registrada e autuada a presente, o processamento dela até a condenação, termos do art. 394 e seguintes do Código de Processo Penal, ouvindo-se, na instrução, as testemunhas abaixo arroladas.”
Em análise da denúncia acima, o desembargador OLINDO MENEZES (desembargador convocado do TRF 1ª região), classificou como ilegal o trecho da denúncia que faz referência que o crime de lavagem de dinheiro ocorreu “em dia que não se sabe precisa”.
Para o julgador, o Ministério Público tinha o dever de precisar a data dos fatos, não apenas por ser obrigatoriedade de quem acusa, mas também porque a defesa não pode ser feita a partir de fatos e referências vagas.
Ainda, MENEZES destaca que a ausência da individualização da conduta do acusado na peça acusatória deixa de proporcionar o pleno exercício do direito de defesa.
Ademais, no teor do julgamento do Habeas Corpus, é destacado o princípio da responsabilidade pessoal (subjetiva), que exige da denúncia o mínimo de elementos de provas em relação ao acusado.
Conclui-se, no caso em análise, que se a denúncia de lavagem de dinheiro é oriunda do tráfico de drogas, um dos requisitos mínimos da denúncia é indicar a data precisa do fato, que obrigatoriamente deve ser posterior a traficância, sob pena de vício na peça inicial e trancamento da ação penal.