1 – INTRODUÇÃO
O presente artigo trata sobre o instituto da legítima defesa, previsto no artigo 25 do Código Penal. Contudo, antes de adentrar no tema, é necessário que se compreenda o conceito base que guia o Direito Penal: a ilicitude, também conhecida como antijuricidade ou injuricidade. Para Capez (2005), ilicitude é a “contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típicas tornam-se ilícitas”. Em outras palavras, é a conduta que infringe a lei. Pode ser uma conduta comissiva (comete-se ato ilícito. Ex: homicídio), ou omissiva (deixa-se de agir. Ex: deixar de prestar socorro).
Outro conceito de suma importância é o da tipicidade. Ato típico é a conduta que se enquadra em alguma descrição legal em que exista sanção. Um exemplo simples: há tipicidade quando indivíduo A mata indivíduo B, pois houve uma conduta que se enquadrou em uma norma legal (Art. 121 do Código Penal).
Em regra, todo fato ilícito é também típico, todavia a recíproca não é verdadeira. Pode haver um fato típico que não seja ilícito, que é o que ocorre nos casos de excludente de ilicitude. Por exemplo, quando o indivíduo A mata o indivíduo B, ocorre a tipicidade e em regra a ilicitude também. Entretanto se o indivíduo A agiu em legítima defesa, exclui-se a ilicitude do ato.
2 – FUNDAMENTAÇÃO
O Código Penal brasileiro, instituído pelo Decreto-Lei nº 2.848/1940, elencou na sua parte geral, mais especificamente no artigo 23, três causas de exclusão de ilicitude: o estado de necessidade, a legítima defesa, e o estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de um direito.
Seguindo, no caput do artigo 25 encontra-se a descrição do instituto da legítima defesa e seus requisitos, in verbis: “Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.” (BRASIL, 2020).
Novidade trazida pela Lei 13.964/19, também conhecida como Pacote Anticrime, foi a introdução de um parágrafo único ao artigo 25, cuja redação legal prevê que “observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes”.
Tal novidade não acarreta mudanças práticas no instituto da legítima defesa, eis que ao prever que a justificante cabe apenas quando preenchidos os requisitos do caput do artigo 25, resulta em mera exemplificação casuística.
3 – REQUISITOS
Conforme Costa Silva (2017), os requisitos da legítima defesa se subdividem em dois grupos: requisitos objetivos e requisito subjetivo. Os primeiros se referem a requisitos previstos expressamente no próprio dispositivo legal. O segundo se refere à consciência do ato.
3.1 – Requisitos objetivos
São os requisitos previstos expressamente no próprio dispositivo legal, sendo extraídos do artigo 25 do Código Penal. São eles a injusta agressão, a atualidade ou iminência da injusta agressão, a lesão ou ameaça a direito próprio ou alheio, o emprego dos meios necessários e a moderação no emprego dos meios necessários.
Para Mirabete e Fabbrini (2010), “agressão é um ato humano que lesa ou põe em perigo um direito”. Ressalta-se aqui que para a legítima defesa é necessário que a agressão seja estritamente humana. A defesa do ataque de um animal configura estado de necessidade (salvo caso o animal esteja sendo utilizado por uma pessoa para ferir direito alheio) e não legítima defesa. Quanto ao caráter de injustiça, Costa Silva (2017) conceitua que “injusta é a agressão que está em contrariedade com o Direito, ou seja, que não está autorizada pelo ordenamento jurídico”. Assim sendo, a agressão apenas é injusta quando fere a ordem jurídica. Não pode invocar a legítima defesa aquele que reage a um mandado de prisão pois a agressão em tela (ao direito de liberdade) não está em contrariedade ao ordenamento jurídico.
Atual é a agressão que já está acontecendo, mas que ainda não se consumou completamente. Em outras palavras, é o ataque que ainda não cessou. Pode-se exemplificar com um ataque de socos. Exemplo célebre também é o crime de sequestro, que ainda que a vítima esteja privada da liberdade há algum tempo, admite a legítima defesa a qualquer momento, tendo em vista que é um crime permanente, que se perpetua ao longo do tempo enquanto durar a vontade do agente. Iminente é a agressão que está prestes a acontecer. Exemplo é quando o agressor saca a arma e aponta para a vítima. Não há ainda agressão, mas está na iminência de acontecer. Parafraseando Costa Silva, não há que se falar em legítima defesa em face de uma agressão futura (ameaça) nem em agressão passada (vingança). Para que esteja configurada a legítima defesa, é necessário que a reação seja esboçada imediatamente.
Quanto ao direito protegido, pode ser direito próprio ou de terceiros. Em regra, admite-se a legítima defesa quando há lesão ou ameaça a qualquer direito ou bem jurídico (vida, patrimônio, liberdade etc.). Para Gomes (2016), “há legítima defesa própria quando o agente defende direito seu. Fala-se em legítima defesa de terceiro quando o agente atua para defender direito de terceira pessoa”. Todavia, algumas peculiaridades devem ser respeitadas, como é o caso da defesa de bens de terceiros. Costa Silva em seu Manual de Direito Penal (2017), divide os bens jurídicos em disponíveis e indisponíveis, sendo que estes últimos apenas admitem legítima defesa por terceiro caso haja permissão do ofendido. Ou seja, não há que se falar em legítima defesa de terceiro num ataque ao patrimônio (disponível) quando a vítima não autoriza. Diferente é quando o ataque é a um bem indisponível (ex: vida), não necessitando da permissão da vítima para que haja legítima defesa de terceiro.
O emprego dos meios necessários diz respeito aos meios disponíveis à vítima para que consiga efetuar a proteção ao bem jurídico com o menor dano possível. Isto é havendo mais de um meio para afastar a agressão ou ameaça, a vítima deve escolher o de menor potencial ofensivo e menos desproporcional. Entretanto, na prática, pode ocorrer de haver apenas um meio para ilidir a agressão, admitindo-se então como legítima defesa ainda que desproporcional.
Já a moderação “consiste na proporção entre a agressão e a reação, de forma que aquele que reage não pode empregar violência excessiva para afastar a injusta agressão”, como assevera Costa Silva (2017).
3.2 – Requisito subjetivo
É o animus defendendi, ou seja, a consciência da agressão e a vontade de defender o bem jurídico. O agente (vítima) deve estar consciente de que age se defendendo e ter vontade disto.
4 – ESPÉCIES
Apesar de ser um instituto uno, por uma melhor compreensão didática a doutrina costuma classificar a legítima defesa quanto ao titular do direito injustamente agredido e quanto à existência da injusta agressão.
4.1 – Quanto ao titular do direito injustamente agredido
Quanto à titularidade, constitui-se legítima defesa própria quando o direito a ser protegido pertence ao próprio agente que está a reagir. Já a legítima defesa de terceiro ocorre quando o bem jurídico agredido ou ameaçado não pertence ao agente reator, mas a terceiro. Interessante indagar se há legítima defesa de terceiro quando se protege um animal. Não, o animal não é portador de personalidade jurídica, portanto não é considerado terceiro, entretanto caso o animal seja de propriedade de terceiro fala-se que há legítima defesa de terceiro pois o animal é considerado parte do patrimônio, sendo assim um bem jurídico.
Por fim, frisa-se que a legítima defesa recíproca não é admitida no ordenamento jurídico. Costa Silva (2017) explica que “para haver legítima defesa, recorde-se, exige-se “agressão injusta”. Dessa forma, não cabe legítima defesa real recíproca, porque a segunda agressão é justa”. Ou seja, indivíduo A agride individuo B, que em legítima defesa repele a agressão. Nesse caso A não pode atuar em legítima defesa contra a legítima defesa de B pois a legítima defesa deste é uma agressão justa. Todavia, havendo excesso e abuso por parte de B, o indivíduo A pode agir em legítima defesa, que é o que ocorre na chama legítima defesa sucessiva.
4.2 – Quanto à existência da injusta agressão
A legítima defesa pode ser real ou putativa. Diz-se real quando o fato enquadra-se perfeitamente na previsão legal do artigo 25 do Código Penal.
A legítima defesa putativa conforme Mirabete e Fabbrini (2010) conceituam, “existe quando o agente, supondo por erro que está sendo agredido, repele a suposta agressão”. Caracteriza-se pela percepção distorcida da realidade. Não é causa de exclusão de ilicitude, porém é um excludente de culpabilidade, estando previsto na primeira parte do primeiro parágrafo do artigo 20 do Código Penal: “Art. 20. § 1º. É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima.”
Ainda quanto à legítima defesa putativa, esta subdivide-se em legítima defesa putativa por erro de tipo, que é quando o agente confunde os fatos e imagina uma situação ficta que caso existisse tornaria possível a legítima defesa; e a legítima defesa putativa por erro de proibição, que é quando o agente reage antijuridicamente pensando estar dentro da excludente de ilicitude.
5 – CONCLUSÃO:
Conclui-se que a existência da legítima defesa se justifica pela impossibilidade de o Estado ser onipresente, isto é, estar em todos os lugares ao mesmo tempo para impedir a prática de agressões injustas. Em outras palavras, também se pode dizer que ela é um instrumento para proteger os indivíduos frente ao Estado, já que exclui a ilicitude da conduta justa e evita, com isso, a incidência da sanção penal sobre ela. Assim sendo, é um instituto jurídico de suma importância, com efeitos não apenas no mundo dos fatos, como também no mundo jurídico.
6 – REFERÊNCIAS:
COSTA SILVA, Davi André. MANUAL DE DIREITO PENAL: parte geral revisada, atualizada e ampliada. 5. Ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2017.
GOMES, Luiz Flávio. CURSO DE DIREITO PENAL: parte geral (art. 1º a 120). 2. Ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2016.
CAPEZ, Fernando. CURSO DE DIREITO PENAL parte geral volume 1. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
CAPEZ, Fernando. CURSO DE DIREITO PENAL parte geral volume 1. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
MIRABETE, Julio Fabbrini. MANUAL DE DIREITO PENAL, volume 1 : parte geral, arts. 1º a 120 do CP/ Julio Fabbrini Mirabete, Renato N. Fabbrini. 26 Ed. São Paulo: Atlas, 2010.
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de Dezembro de 1940.
CUNHA, Rogério Sanches. PACOTE ANTICRIME: Lei 13.964/2019 – Comentários às alterações no CP, CPP e LEP. 1 Ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2020.